O impacto da pandemia, e as suas múltiplas consequências, fez com que as empresas vivessem, e continuem a viver, inúmeros desafios, obrigando a gestão a pensar de modo diferente.
Esta meta de adaptação e redefinição passou, e passará, também, pela plena integração da transformação digital, por novas formas de Comunicação como fator de sobrevivência e pela aposta numa estratégia de Comunicação mais eficaz, que potencie a relação com os stakeholders.
Num contexto de particular relevância das empresas B2B exportadoras para o crescimento económico, face aos objetivos de as exportações portuguesas atingirem 50 por cento do PIB em 2027, importa perceber de que modo olham estas empresas para a forma como comunicam, que tendências se encontram a condicionar o mercado e que caminhos se abrem a uma gestão mais competitiva e bem-sucedida da Comunicação.
Uma realidade de carácter inesperado
A pandemia de SARS-CoV-2 declarada em março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) colocou em evidência que o mundo em que vivemos atualmente pode ser descrito sob o acrónimo VUCA(H), considerando aqueles que são os traços que melhor o caracterizam: a “Volatilidade”, a “Incerteza” (Uncertainty), a “Complexidade”, a “Ambiguidade”, e ainda, a “Hiperconectividade”.
As empresas foram surpreendidas por um cenário que poucas, ou nenhumas, tinham considerado nos seus planos estratégicos. Este acontecimento, classificado por muitos como inesperado e, por outros, como previsível, mas não equacionado, obrigou as nações, os mercados, as organizações, as famílias e os indivíduos a ter de redefinir as suas rotinas e, por vezes, até repensar o seu propósito.
Em 2020 e já metade de 2021, as palavras mais ouvidas nos diferentes contextos são dominadas pelo jargão da Saúde Pública: “pandemia”, “confinamento” e “imunidade de grupo”, mas para as empresas, os motores da economia nacional, a “preocupação” a “resiliência” e a “adaptação” marcaram este ano e meio, que foi de aprendizagem e transição.
Hoje, a prioridade das empresas é a sobrevivência do negócio, sendo preciso assegurar a sustentabilidade da operação, garantir postos de trabalho, dar resposta a compromissos com os fornecedores e fazer uma adaptação ao novo ambiente global. Por outro lado, é também necessário acautelar o futuro, para que este cenário não se repita sem planos proativos de resposta.
As empresas nacionais exportadoras
A economia nacional apresentou nos últimos cinco anos uma tendência exportadora, ao mesmo tempo que o país tinha encetado um caminho de crescimento, que se mantinha sólido no início de 2020. Contudo, esta pandemia trouxe um cenário de enorme incerteza e penalizou fortemente o setor exportador.
As exportações mostraram ser, na primeira fase da presente crise, a componente do PIB que sofreu uma maior queda, contribuindo de forma notória para a contração da atividade económica. Entre 2019 e 2020, o valor das exportações caiu 20,9 por cento.
A visão mais otimista aponta para que, assim que os efeitos da pandemia abrandarem, regresse alguma normalidade gradual após 2021, prevendo-se que na área das exportações se registe um crescimento superior ao da Europa e do mundo, confirmando a continuidade da competitividade dos produtos e serviços portugueses.
O objetivo é claro e foi já anunciado: passar de um peso de exportações de 44 por cento, em 2019, para 50 por cento em 2027 e 53 por cento em 2030, aumentando o número de empresas exportadoras de 21.500 para 25 mil no final da década e o número médio de mercados externos para os quais as empresas exportam de 4,3 em 2019, para 4,7 em 2030.
Os desafios das empresas B2B exportadoras
O papel na sociedade e as dinâmicas de negócio das empresas B2B, especificamente as exportadoras, são inquestionavelmente distintos daqueles que associamos às empresas com um foco no consumidor final.
O momento presente apresenta novos desafios, nomeadamente em termos da gestão da relação com os clientes e os demais stakeholders, bem como no modo como as organizações podem contribuir para ajudar a sociedade e o tecido empresarial a olhar para o futuro com mais confiança e com capacidade de implementação e foco. O sentimento de resiliência e de transformação podem, assim, extravasar as empresas, para ajudar clientes, consumidores e sociedade em geral a ultrapassar a situação atual.
Ao debruçarmo-nos especificamente sobre empresas B2B com foco na exportação, sabemos que os fenómenos de valorização da oferta produzida em Portugal são entendidos como uma forma de mostrar um nível de qualidade e de inovação que rivaliza com o de outras geografias. Em alguns setores de atividade, ou melhor, em alguns nichos de mercado, as estratégias made in Portugal têm funcionado como uma alavanca de promoção além-fronteiras. No entanto, a pandemia trouxe um público mais atento, que valoriza tendências associadas à produção local e com ligação à “terra”, ou seja, privilegia uma oferta entendida como mais genuína e a dinamização do que entende como sendo “seu”. Os consumidores valorizam hoje mais as marcas do seu país e podem até estar dispostos a pagar mais pelos produtos
por terem origem no seu território.
Perante este cenário, surgiu a necessidade de compreender como é entendido o papel da Comunicação na gestão da relação com os stakeholders das empresas nacionais B2B com foco na exportação, que se viram forçadas a repensar um conjunto de pressupostos assumidos até então como válidos. Se em termos internacionais têm sido desenvolvidos diversos estudos sobre a importância da Comunicação na criação de relações de confiança, no enaltecer de produtos de excelência ou no potenciar da otimização das cadeias de produção, pouco ou nada sabemos sobre a situação em Portugal.
Novas expectativas e soluções
O último ano demonstrou que as empresas portuguesas são altamente resilientes, tendo conseguido adaptar-se rapidamente quando chegaram à conclusão que tinham de fazer algo de diferente para sobreviver num contexto de novos desafios. Mas souberam como comunicar?
A pressão colocada na necessidade de vender e em garantir a operação obrigou a procurar fórmulas diferentes, quando as usadas até então não puderam ser utilizadas – os eventos, o networking, as reuniões e as feiras deixaram de poder acontecer. Perderam-se os pontos de contacto tradicionais e surgiram obstáculos à relação, fundamental à Comunicação B2B.
Este foi o momento em que muitas empresas se passaram a preocupar com a Comunicação e a tentar perceber que caminho poderiam empreender. Viraram-se, então, para o que podiam fazer, fosse isso a utilização de um website, plataformas de social media ou a criação de uma newsletter, e equacionaram de que modo continuar a comunicar, fosse através de Comunicação comercial, técnica ou corporativa.
Com esta tentativa de resposta aconteceu um fenómeno de enorme proliferação de conteúdos. Mas o conteúdo, como qualquer outra ferramenta, exige planeamento. Num contexto digital em que as audiências se revelam cada vez mais saturadas, menos é mais e revela-se importante contar com uma mensagem coerente e manter a marca relevante num verdadeiro “mar” de informação e ruído.
O papel relevante da Comunicação
A base para conseguir transmitir a mensagem está na história. Para entrar, ou estar, num determinado mercado, contar uma história atraente, empolgante e convincente é tão importante hoje como sempre foi. Uma boa e muito bem contada história
continua a fazer a diferença, seja qual for a natureza da marca.
Se é certo que as empresas B2B dependem, em última análise, da venda dos seus produtos ou serviços, e que nesta tipologia de organizações em particular a Comunicação do conhecimento, ou Comunicação técnica, é um elemento fundamental, que acrescenta valor a todo o processo de negociação e permite distinguir as empresas, a Comunicação institucional, ou de identidade, é a que permite transmitir confiança e originalidade. E é a confiança que está na base da relação.
É aqui que importa falarmos de Comunicação. Há por vezes o entendimento que Comunicação é uma mera transmissão de informação entre um emissor e um recetor. Gerir a Comunicação é, na realidade, gerir a interação e procurar a negociação e a cooperação com um determinado objetivo. A Comunicação permite às empresas dar significado e acrescentar valor à sua atividade. Daí ser tão relevante pensá-la quando estamos a falar da gestão da relação com os stakeholders. A Comunicação dá suporte a um conjunto de processos que são a base do ambiente B2B: a confiança, a credibilidade, a cooperação, a clareza e o conhecimento.
Se em Comunicação B2B as relações são tudo, é a marca e a reputação que vão ajudar a consolidar essa relação. Para uma empresa, mais do que nunca importa pensar a longo-prazo, potenciando a resiliência e a ligação com o mercado. Aqui, o valor da confiança e da reputação conquista lugar de destaque como elemento crucial numa estratégia de Comunicação
alargada que torne a marca reconhecida e a legitime junto daqueles para quem se dirige, com efeitos claros em todas as dimensões do negócio.
As relações continuam e vão continuar a ser a base do negócio. Há hoje mais oportunidades para trabalhar em parceria e de forma holística, com contactos estabelecidos com stakeholders distintos, através de múltiplos setores, geografias e plataformas. A Comunicação surge como uma função com importância crescente, assumindo uma posição prioritária no pensamento estratégico de várias empresas.
Entrámos numa “época de ouro” para se perceber realmente a importância de comunicar e gerir de forma estratégica os stakeholders de uma organização e compreender que só com ações altamente planeadas é que vamos conseguir alcançar as metas a que nos propomos.
Às empresas exige-se, hoje, e no futuro, que consigam endereçar de forma global o processo comunicacional, demonstrando, a cada momento, coerência, cadência e continuidade, tendo uma abordagem estratégica, fazendo um mapeamento e gestão de todos os stakeholders e, através destas diferentes áreas de especialização, alcançá-los a todos.
A resposta a um mundo pós-pandemia
O mundo pós-pandemia vai exigir mais transparência e confiança. Será essencial às empresas aumentar a sua reputação e construir e consolidar a sua relação com todos os agentes da cadeia de valor, desde o fornecedor de matéria-prima de base ao cliente final, passando por todas as outras partes interessadas relevantes, como colaboradores, parceiros, entidades reguladoras ou governo. É determinante dar a conhecer a inovação, construir sinergias e cooperar num espaço de diálogo.
Sim, é possível uma empresa sobreviver sem comunicar. Mas esta será mais eficiente e rentável se gerir os processos de Comunicação de forma planeada e intencional e assegurar uma ligação produtiva com os stakeholders que são essenciais à sua atividade. Vivemos num período de relações repensadas, mas a necessidade de estabelecer relações, e de o fazer através da Comunicação, não se perdeu. Podemos até argumentar que estas são hoje mais relevantes que nunca.
A Comunicação surge agora como uma função com importância crescente, assumindo uma nova posição prioritária entre o pensamento estratégico de várias empresas. Considerada como a “voz” das marcas, a Comunicação é, num momento em que a relação entre as organizações e os seus stakeholders assume ainda mais importância, uma âncora para inspirar confiança e empreender a transição bem-sucedida para um mundo pós-pandemia.
4 QUESTÕES SOBRE A COMUNICAÇÃO
1. Qual é o papel da Comunicação na construção e gestão de relações com os stakeholders nas empresas portuguesas com um foco B2B e na exportação?
O cenário com o qual temos vivido no último ano e meio, que poucos poderiam ter equacionado no seu planeamento estratégico, surpreendeu as empresas e forçou a uma adaptação no sentido de assegurar a sua sobrevivência. Perante este cenário de desafios atuais e futuros, a Comunicação tem também um papel na transformação a realizar, estando agora a ser equacionada pelas empresas e integrada numa estratégia global de negócio.
Com as restrições impostas à circulação de pessoas, a proximidade com o cliente torna-se um obstáculo acrescido, sendo que, aparentemente, grande parte dos pontos de contacto para o estabelecimento de relações e a construção de confiança parecem ter quase desaparecido. No intuito de manter vias de Comunicação de carácter personalizado, genuíno e sustentadas na proximidade, as empresas tiveram de se reinventar em formatos distintos de gestão relação diferentes dos que estavam habituados.
A Comunicação surge, assim, como uma função com importância crescente, assumindo agora uma posição prioritária no pensamento estratégico de várias empresas. Considerada como a “voz” das marcas, a Comunicação é, num momento em que a relação entre as organizações e os seus stakeholders assume ainda mais importância, uma âncora para empreender a transição para um mundo pós-pandemia na forma de alcançar o mercado e estabelece parcerias comerciais.
2. Na vossa opinião, qual é a importância da Comunicação para o sucesso do negócio das empresas B2B portuguesas com foco na exportação?
É hoje mais evidente a necessidade e importância de as empresas construírem e gerirem intencionalmente as relações com os diferentes interlocutores na sua cadeira de valor. O processo comunicacional, entendido enquanto função estratégica
abrangente, permite às empresas não só vender produtos e serviços, mas também conquistar notoriedade e cimentar reputação, tornando-as mais bem-sucedidas na concretização das suas metas de negócio.
No momento de apostar em novos mercados, o reconhecimento da marca assume-se como fator determinante para a aceleração do sucesso do negócio. Em mercados externos, nos quais, com frequência, ainda se procura um espaço, é fundamental trabalhar a notoriedade e a reputação com ações de Comunicação que contribuam para o desenvolvimento
comercial e operacional.
Na lógica do negócio B2B o cliente deve ser encarado enquanto parceiro com o qual é necessário construir e gerir uma relação de confiança numa perspetiva de médio/longo-prazo. Fará, por isso, sentido entender a Comunicação como a
gestão de relação com parceiros e intervenientes fundamentais ao desenvolvimento de uma atividade empresarial bem-sucedida.
É possível uma empresa sobreviver sem comunicar, mas esta será mais eficiente se intencional e estrategicamente gerir os processos de Comunicação com os diferentes stakeholders. No contexto atual, o investimento na construção desta relação é decisivo e promete ser uma vantagem fundamental no mundo pós-pandemia.
3. Consideram que as empresas B2B exportadoras estão agora mais dedicadas ao investimento nas questões comunicacionais?
Constata-se que, num grande número das empresas, a ausência de uma estrutura organizada e transversal de Comunicação, sendo esta meramente remetida para os conceitos de venda e apoio ao Marketing. Uma Comunicação
unicamente operacional feita à medida do interlocutor ou mesmo sem qualquer relação com os objetivos estratégicos parece ser a realidade na grande maioria do nosso tecido empresarial.
Mais de 1/4 das empresas inquiridas no estudo “InterComm Report” não acredita que a Comunicação tenha uma relevância estratégica e/ou não lhe dão, ainda, um lugar de destaque nos caminhos a traçar, e embora clientes e colaboradores estejam obviamente no top of mind destas organizações, mais de 20 por cento não tem uma relação continua e assídua com outros stakeholders, nomeadamente os seus fornecedores e parceiros.
São poucas as empresas que estão verdadeiramente despertas e conscientes para os benefícios de dar espaço para que a Comunicação, entendida num sentido lato e que não se resuma à Comunicação de produto/serviço da responsabilidade dos departamentos comerciais, possa contribuir para a competitividade das organizações.
Apenas uma pequena percentagem, com uma dimensão e maturidade distintas, entende e gere de um modo diferenciado os assuntos associados à sua Comunicação, realizando investimentos em termos de Comunicação institucional e explorando outros canais de Comunicação – exemplo dos órgãos de Comunicação social ou das redes sociais – e estabelecendo relações com associações do setor e outros parceiros estratégicos. Talvez possamos inferir que as empresas que acederam ao desafio de participar neste projeto têm boas práticas para partilhar ou, não as tendo, estão conscientes da importância de investir de outra forma na Comunicação no curto/médio-prazo.
4. Quais os conselhos que podem disponibilizar a uma empresa B2B exportadora que pretende reforçar o seu investimento na Comunicação?
Às empresas exige-se, hoje, que consigam endereçar de forma global Comunicação interna, Comunicação digital, as questões da reputação – que são as bases estruturantes para nortear todas as outras áreas de intervenção da
Comunicação –, a relação com os media, a sustentabilidade, a gestão do risco e a Comunicação de crise, a gestão de eventos, e todas as outras ações que possam ser dinamizadas com o objetivo de criar leads. É fundamental procurar sempre demonstrar coerência, cadência e continuidade, tendo uma abordagem estratégica, fazendo um mapeamento e gestão de todos os stakeholders e, através destas diferentes áreas de especialização, alcançá-los a todos.
Confrontadas com várias dimensões da Comunicação e a crescente importância de novos canais, o mais importante é aprendermos a ser coerentes e a trabalhar a Comunicação de forma verdadeiramente integrada. Chegar não só a novos clientes, mas a todos os stakeholders é o grande desafio.
Precisamos de trabalhar a marca de uma forma que explique quem somos e porque devem confiar em nós. A proposta de valor temde ser criativa e disruptiva. Importa reavaliar as relações com todos os stakeholders e os canais onde existem mais resultados. A forma de nos relacionarmos mudou com o cenário recente. A Comunicação, bem como a perceção relativamente a esta dimensão e à sua aplicação, têm de acompanhar esta transformação.
POR ANA RAPOSO, DOCENTE DA ESCOLA SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E PRÓ-PRESIDENTE PARA A COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA DO POLITÉCNICO DE LISBOA, E MARTA GONÇALVES, MANAGING PARTNER DA SAYU CONSULTING