“A comunicação pode gerar um capital fundamental na relação entre uma empresa/organização e os seus stakeholders: a confiança”, afirmam as investigadoras da ESCS-IPL responsáveis pelo InterCom Report B2B – The Way Forward. Em entrevista ao Link To Leaders, Marta Gonçalves e Ana Raposo explicam as conclusões do estudo e o que a comunicação pode fazer pelo sucesso de uma empresa.
A segunda fase do estudo InterComm Report B2B, com o mote #TheWayForward 22»23, foi divulgado recentemente e centra-se no facto do sucesso das empresas B2B exportadoras estar intrinsecamente ligado à aposta que estas fazem na comunicação. As investigadoras da Escola Superior de Comunicação Social do Politécnico de Lisboa (ESCS-IPL) Marta Gonçalves e Ana Raposo, responsáveis pela análise, explicam ao Link To Leaders que, num contexto de instabilidade e de transformação da interação, cabe à comunicação criar as oportunidades, assegurar a confiança e potenciar a relação com stakeholders. O papel da comunicação B2B é estratégico em mercados globais.
Marta Gonçalves e Ana Raposo deixam o alerta: “Se as nossas empresas querem dar cartas em mercados externos têm de aumentar a sua reputação, através da construção e consolidação das relações com todos os stakeholders. Se querem vender melhor têm de comunicar melhor e se não o fizerem estarão sempre a competir em desvantagem”.
De que forma o sucesso das empresas B2B exportadoras está ligado às apostas, ou não, que estas fazem na comunicação?
Marta Gonçalves (M.G.): As empresas B2B exportadoras operam em mercados globais com a perspetiva de conquistar novos clientes e alcançar um melhor desempenho. Esta decisão será mais eficiente quando existe um investimento ao nível da comunicação, investimento esse que permite acrescentar valor ao nível da reputação e pela construção e consolidação das relações com os stakeholders.
Atualmente não é suficiente dar a conhecer as características dos produtos e serviços. É fundamental partilhar a inovação, estabelecer sinergias, confiança e cooperação num espaço de diálogo e negociação, contribuindo para o desenvolvimento comercial e operacional da empresa e isso só é possível através da incorporação de uma estratégia de comunicação na estratégia global da empresa. As respostas das empresas inquiridas ao longo dos últimos dois anos, no âmbito deste projeto, corroboram esta tendência de que o investimento na comunicação contribui para o sucesso das empresas B2B exportadoras.
Como surgiu este estudo TheWayForward 22»23 e qual o propósito?
Ana Raposo (A.R.): O InterCom Report B2B – The Way Forward, surge na sequência do InterComm Report B2B – Communication Trends in Global Businesses realizado em 2020 e apresentado em 2021. Este estudo é um update do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela Escola Superior de Comunicação Social do Politécnico de Lisboa (ESCS-IPL) e pela SayU Consulting e teve como propósito compreender o que se alterou, o que se manteve e quais as perspetivas futuras em termos do papel da comunicação na construção e gestão de relações com os stakeholders em empresas com foco na venda a outras empresas – Business-to-Business (B2B) – e com negócios internacionais relevantes.
“As empresas inquiridas são consensuais ao considerar que hoje é atribuída igual ou maior importância à gestão da comunicação nas organizações”.
Globalmente, quais as principais conclusões encontradas?
M.G.: Podemos evidenciar aquelas que são para nós as três principais conclusões. A primeira grande conclusão desta segunda etapa do estudo, que confirma a tendência já apresentada na fase anterior deste trabalho, é que as perspetivas para a função de comunicação se afiguram bastante positivas. As empresas inquiridas são consensuais ao considerar que hoje é atribuída igual ou maior importância à gestão da comunicação nas organizações. Os departamentos de comunicação ganharam mais espaço e importância, assumindo uma identidade própria.
É relevante neste ponto referir que falamos de uma gestão da comunicação que vai para além da promoção de atributos de produtos e serviços ou da divulgação de preços, que pressupõe a construção e a gestão de uma relação com os stakeholders, e que necessita de ser alimentada e trabalhada ao longo do tempo, tendo por base a apresentação das características distintivas da empresa.
Em segundo lugar, a comunicação com colaboradores, ou comunicação interna, surge também como uma área que ganhou mais espaço. Consequência dos desafios vividos durante a pandemia, a comunicação nas empresas ficou limitada ao digital, o que gerou certos problemas de alinhamento no espírito de equipa e sentimento de pertença entre colaboradores. Deste modo, é preciso reforçar o papel da comunicação com foco nos colaboradores, tendo em vista o reforço da cultura e da identidade corporativa.
Por fim, a terceira conclusão está relacionada com os ingredientes identificados como essenciais para o sucesso da operação, nomeadamente, a resiliência, associada à agilidade, flexibilidade e capacidade de adaptação das estruturas organizacionais aos diferentes cenários equacionados, em combinação com a aposta na diferenciação e na inovação.
Defendem no vosso estudo que “é essencial às empresas nacionais B2B exportadoras, aumentar a sua reputação, construir e consolidar as suas relações”. O que é que ainda está a faltar neste processo?
A.R.: Quando falamos de gestão de reputação e da construção e consolidação de relações fazemos referência a um processo complexo, no qual é necessário conjugar diferentes questões. Poderemos dizer que poderá ainda existir maior investimento em pensar estrategicamente a comunicação com foco nas partes interessadas e em mensagens mais humanizadas, que evidenciem os traços distintivos da organização, tendo por base a tomada de decisão assente em dados e que incorpore a agenda ESG.
“(…) as empresas reconhecem a importância da comunicação e 70% destas têm planos para investir nesta área num futuro próximo”.
As empresas portuguesas investem o suficiente nesta área?
A.R.: A aferição do que será suficiente ou não está associada aos objetivos definidos e resultados que se pretendem alcançar. As conclusões de ambas as fases desta investigação são animadoras, uma vez que as empresas reconhecem a importância da comunicação e 70% destas têm planos para investir nesta área num futuro próximo. Contudo, sabemos que há ainda um caminho a trilhar, pois nem todas as organizações estão despertas para o contributo que, quando pensada estrategicamente, a comunicação pode dar para o sucesso da organização.
O que é que a comunicação pode fazer pela relação entre uma empresa/organização e os seus stakeholders?
M.G.: Respondendo de uma forma direta e simples, a comunicação pode gerar um capital fundamental na relação entre uma empresa/organização e os seus stakeholders: a confiança. Se este sempre foi um elemento-chave quando pensamos a gestão de relações, em tempos de incerteza e consequente ruído acrescido como os que vivemos, precisamos de reforçar a confiança, confiança essa que serve como uma âncora e uma forma de mitigar o risco.
Para isso é essencial às empresas consolidar a sua reputação, construir e manter as suas relações com todos os agentes da cadeia de produção. Este processo passa por adicionar valor, desde o fornecedor de matéria-prima de base até ao cliente final (o comprador), passando por todas as outras partes interessadas, como colaboradores, parceiros, entidades reguladoras ou governo.
“(…) uma das maiores lacunas no que diz respeito à comunicação é o seu entendimento de uma forma abrangente (…)”.
As empresas portuguesas investem o suficiente nesta área? Quais são ainda as maiores lacunas das empresas no que diz respeito à comunicação?
M.G.: Tal como referido, quando falamos de gestão da comunicação acreditamos que há ainda um caminho a percorrer, sendo que uma das maiores lacunas no que diz respeito à comunicação é o seu entendimento de uma forma abrangente, incluindo não só a apresentação das características e atributos dos produtos/serviços, que habitualmente designamos de comunicação comercial e técnica, mas também a necessidade de investir na comunicação dos traços distintivos da organização, que possibilite criar um capital de confiança junto dos seus públicos – a comunicação institucional. Esta questão surgiu no InterComm Report B2B – Communication Trends in Global Businesses e volta a adquirir uma significativa importância para as empresas entrevistadas nesta segunda fase do estudo.
Em que setores de atividade sentem ser mais premente esta aposta na comunicação?
A.R.: Os dados que recolhemos não nos permitem responder de uma forma cabal a esta questão, pois este ângulo não foi explorado. Cada setor tem as suas dinâmicas muito próprias e certamente que exigirá soluções distintas e adequadas a cada realidade. Em termos setoriais, o que se tornou evidente foi o facto de em alguns deles existir hoje um claro desafio de encontrar soluções para a falta de mão de obra qualificada e/ou especializada.
(…) a comunicação com os stakeholders mudou para sempre, sendo que o caminho será um modelo híbrido (…)”.
Transformação digital e comunicação. Qual a melhor forma destas duas vertentes tirarem o melhor partido uma da outra?
A.R.: Mais do que falar em tirar partido, será mais adequado pensar numa complementaridade e sinergia. Quando pensamos em empresas que desenvolvem a sua atividade além-fronteiras, a possibilidade de recorrer à comunicação digital, que ganhou claramente espaço nestes últimos dois anos, é uma oportunidade.
As empresas inquiridas nesta segunda fase foram unânimes nas respostas a esta questão em particular: a comunicação com os stakeholders mudou para sempre, sendo que o caminho será um modelo híbrido caracterizado pela conjugação e integração do tradicional contacto presencial com as novas soluções da comunicação, nomeadamente, digitais ou híbridas. O desafio que está em cima da mesa neste momento é garantir a proximidade do contacto e a resposta às expetativas dos stakeholders, definindo qual a melhor abordagem de comunicação – presencial ou online -, em função dos objetivos.
Em que âmbito a comunicação das empresas é prioritária? No mercado interno ou externo?
M.G.: A comunicação é prioritária tanto no mercado interno como no externo. O facto de desenvolver uma operação além-fronteiras poderá exigir um reforço no investimento na comunicação, com o intuito de ganhar espaço em mercados com dinâmicas que podem ser muito distintas. Acima de tudo, as decisões ao nível da comunicação devem enquadrar-se numa estratégia assertiva, estratégia essa que integra preocupações associadas à definição de processos e redes logísticas, questões de faturação e aspetos legais e conhecimento de normativos e regulação, integrando a capacidade de assegurar reconhecimento e awareness através da comunicação, seja em território nacional, ou estrangeiro.
“Quando apostamos em comunicação e trabalhamos bem esta vertente do negócio, o impacto é visível e gigantesco”.
Na vossa opinião, quais os caminhos possíveis para uma comunicação eficaz das empresas portuguesas nos mercados globais?
A.R.: Quando encontramos contextos adversos como o que vivemos, o mercado precisa de garantias às quais se agarrar, que lhe deem confiança (quem somos, de onde vimos e para onde vamos). A marca e a reputação são bons exemplos. Sem comunicação não existe nem uma, nem outra. Sem comunicação ninguém conhece, ninguém influencia, ninguém compra.
Quando apostamos em comunicação e trabalhamos bem esta vertente do negócio, o impacto é visível e gigantesco. No entanto, cada empresa tem a sua identidade única e distintiva, não existindo, por isso, dois caminhos iguais. Conseguimos identificar um conjunto de princípios base que são transversais a qualquer organização que pretenda investir em comunicação, mas tem de existir um trabalho minucioso e profundo de determinar qual a melhor estratégia para cada player.
Apesar de não existir uma fórmula única padronizada, sabemos que a aposta numa narrativa humanizada vai contribuir para a construção de ligações com significado. Não podemos esquecer que uma muito boa e bem contada história é tão importante hoje como sempre o foi.
O mundo de hoje exige maior transparência e mais confiança. Se as nossas empresas querem dar cartas em mercados externos têm de aumentar a sua reputação, através da construção e consolidação das relações com todos os stakeholders. Se querem vender melhor têm de comunicar melhor e se não o fizerem estarão sempre a competir em desvantagem.
Enquanto investigadoras, o que perspetivam para futuro da relação entre empresas e comunicação?
M.G.: Considerando o percurso que temos vindo a observar e as tendências apresentadas, perspetivamos um futuro risonho para a comunicação e para a forma como esta função estratégica é, não só compreendida, mas, também, reconhecida enquanto valor acrescentado para a operação, para o negócio e, acima de tudo, para a sustentabilidade das organizações a médio-longo prazo.
Respostas rápidas:
O maior risco: Não antecipar
O maior erro: Não planear
A maior lição: Resiliência e agilidade
A maior conquista: O reconhecimento da importância da comunicação para o sucesso das empresas B2B exportadoras.